EBULIÇÃO DA ESCRAVATURA
A área de serviço é senzala moderna,
Tem preta eclética, que sabe ler “start”;
“Playground” era o terreiro a varrer.
Navio negreiro assemelha-se ao ônibus cheio,
Pelo cheiro vai assim até o fim-de-linha;
Não entra no novo quilombo da favela.
Capitão-do-mato virou cabo de polícia,
Seu cavalo tem giroflex (radiopatrulha).
“Os ferros”, inoxidáveis algemas.
Ração poder ser o salário-mímino,
Alforria só com a aposenadoria
(Lei dos sexagenários).
“Sinhô” hoje é empresário,
A casa-grande verticalizou-se.
O pilão está computadorizado.
Na última página são “flagrados” (foto digital)
Em cuecas, segurando a bolsa e a automática:
Matinal pelourinho.
A princesa Áurea canta,
Pastoreia suas flores.
O rei faz viaduto com seu codinome.
— Quantos negros? Quanto furor?
Tantos tambores... tantas cores...
O que comparar com cada batida no tambor?
“A escravatura não foi abolida; foi distribuída entre os pobres”
.
(Poema extraído da obra O NEGRO EM VERSOS, organização e apresentação de Luis Carlos dos Santos, Maria Galas e Ulisses Tavares. São Paulo: Moderna, 2005
Antologia da Poesia Negra Brasileira. ISBN 85-16-04760-1