sábado, 23 de janeiro de 2010

Por que a ajuda vem armada?


A mídia corporativa tem afirmado e reafirmado que o Haiti é o país mais pobre da América, e que a situação é caótica ao ponto de uma Guerra Civil, havendo saques, dentre outras ações. Eu relembro que desde que a América se entende pelo conceito de nação, o Haiti é o mais pobre economicamente, e a situação de conflitos internos já ocorria antes da tragédia, graças à tradicional intervenção norte-americana na região, que jamais permitiu uma construção política autônoma a estas pessoas.

Outra coisa que se ouve falar muito é da "ajuda" norte-americana, principalmente para manter a segurança. Mas, afinal, por que a ajuda vem armada? Eu não consigo acreditar que os EUA ajudem alguém, muito menos que os/as haitianos/as se sintam seguros com um ianque sua arma e seu tanque ao lado. Encontrei uma matéria no Centro de Mídia Independente, dessas que não são veiculadas na Globo, que dizia o seguinte:

"A organização da população local foi contactada. Eles mobilizaram imediatamente os seus membros. Eles vieram. Organizaram um cordão. Enfileiraram cerca de 600 pessoas que estão ficando no campo de futebol atrás da casa, que também é um hospital, e eles distribuíram a comida de forma ordenada, em porções iguais. Eles eram totalmente auto-suficientes. Eles não precisam dos "Marines". Eles não precisam da ONU. Eles não precisavam de nenhuma dessas coisas que estão nos falando que eles precisam, ditas também pela Hillary Clinton e o ministro do exterior. Essas são coisas que as pessoas podem fazer por elas mesmas e estão fazendo por elas mesmas."

Se isso é a guerra civil [que ao meu ver está mais parecendo uma organização coletiva] não é a toa que os Ianques estão preocupados.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

E o Haiti?


Li uma reportagem no CMI, na qual o presidente do Senegal propõe o retorno dos/as haitianos/as à África, através da criação de um novo estado. Não sou conhecedor da atual conjuntura política do Continente Africano, nem tampouco imagino as peculiaridades dos conflitos étnicos que uma idéia dessas poderia [ou não] resultar, caso fosse colocada em prática.

Ainda assim, fiquei pensando: a historiografia da América Latina interpreta, e as vezes denuncia a exploração e dominação sofrida pelo continente nas mãos da metrópole européia em tempos coloniais [notadamente nativos/as e escravos/as africanos - base da população haitiana]. E mais recentemente o imperialismo, intervenção opressão política e exploração econômica dos norte-americanos sofrida pelo continente [notadamente todos os habitantes trabalhadores]. E uma situação dessas os africanos pensam numa proposta nesse sentido. É no mínimo um tapa na cara das nações exploradoras e dominadoras.

Abaixo, alguns trechos selecionados do livro As Veias Abertas da América Latina do genial Eduardo Galeano, escrito nos anos 70, a respeito do Haiti. As questões atuais talvez [veja bem: "talvez"] você encontre nos jornais do dia.


“Na segunda metade do século[XVIII], o melhor açúcar do mundo brotava do solo esponjoso das planuras da costa do Haiti, um colônia francesa que nessa época se chamava Saint Domingue. Ao norte e a oeste, Haiti converteu-se em sorvedouro de escravos: o açúcar exigia cada vez mais braços. Em 1786, chegaram à colônia 27 mil escravos, e no ano seguinte 40 mil. No outono de 1791, explodiu a revolução. Num só mês, setembro, duzentas plantações de cana foram tomadas pelas chamas; os incêndios e os combates sucederam-se sem trégua à medida que os escravos insurretos iam empurrando os exércitos franceses até o oceano.(...) Logo em 1825, a França reconheceu a independência de sua antiga colônia, mas em troca de uma gigantesca indenização em dinheiro. Em 1802, pouco depois de Toussaint Louverture caudilho dos exércitos escravos ser preso, o general Leclerc escreveu a seu cunhado Napoleão: “Eis minha opinião sobre o país: há que suprimir todos os negros das montanhas, homens e mulheres, conservando-se somente as crianças menores de doze anos, exterminar a metade dos negros nas planícies e não deixar na colônia nem um só negro que use jarreteiras”. O trópico vingou-se de Leclerc, pois morreu “agarrado pelo vômito negro” apesar das esconjurações mágicas de Paulina Bonapart sem poder cumprir seu plano, porém a indenização em dinheiro tornou-se uma pedra esmagadora sobre as costas dos haitianos independentes que haviam sobrevivido aos banhos de sangue das sucessivas expedições militares enviadas contra eles. O país nasceu em ruínas e não se recuperou jamais: hoje é o mais pobre da América Latina.”


“Em relação ao Haiti, tem a taxa de mortalidade mais alta da América Latina; mais da metade de sua população infantil padece de anemia. O salário legal pertence, no Haiti, aos domínios da ficção; nas plantações de café, o salário real oscila entre 7 e 15 centavos de dólar por dia.”


“Os Estados Unidos ocuparam o Haiti durante vinte anos, e ali, nesse país negro que tinha sido o cenário da primeira revolta vitoriosa dos escravos, introduziram a segregação racial e o regime de trabalhos forçados, mataram mil e quinhentos operários em uma de suas operações de repressão (segundo a investigação do Senado norte-americano em 1922) e, quando o governo local se negou a converter o Banco Nacional numa sucursal do National City Bank de Nova Iorque, suspenderam o pagamento do presidente e de seus ministros, para que mudassem de opinião.”


“O Haiti é o país mais pobre do hemisfério ocidental. Lá existem mais lava-pés que sapateiros: meninos que em troca de uma moeda lavam os pés de clientes descalços, que não têm sapatos para engraxar. Os haitianos vivem, em média, pouco mais de trinta anos. De cada dez haitianos, nove não sabem ler nem escrever. Para o consumo interno são cultivadas as ásperas encostas das montanhas.”


“Para a exportação, cultivam-se os vales férteis: as melhores terras são dedicadas ao café, ao açúcar, ao cacau e a outros produtos requeridos pelo mercado norte-americano. Ninguém joga beisebol no Haiti, mas o Haiti é o principal produtor mundial de bolas de beisebol. No país não faltam oficinas onde crianças trabalham a um dólar por dia armando cassetes e peças eletrônicas. São, é claro, produtos de exportação. Também é claro que os lucros são exportados, uma vez (é claro!) deduzida a parte que corresponde aos administradores do terror. O menor sinal de protesto, no Haiti, resulta em prisão ou morte. Por incrível que pareça, os salários dos trabalhadores haitianos perderam, entre 1971 e 1975, um quarto de seu valor real9. È significativo que nesse período tenha entrado no país um novo fluxo de capital norte-americano.”


terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O mais baixo na escala do caráter




















Uma Charge retirada do blog do professor Ozaí de autoria do cartunista brasileiro Carlos Latuff, que faz de seu trabalho um ativismo social, propagandeando a favor dos zapatistas, dos palestinos e de inúmeros movimentos sociais, e contra o imperialismo norte-americano em todo o mundo, especialmente no Oriente Médio, também contra o estado terrorista de Israel.

Pra quem não sabe o que está ocorrendo, o "jornalista" Bóris Casoy, que deve causar ódio nos profissionais sérios da área, proferiu aquelas palavras do balão da charge em uma pane no corte de som da emissora no intervalo do programa. É importante ressaltar que Bóris Casoy tem uma história com a direita terrorista brasileira, tendo participado inclusive do CCC, Comando de Caça aos Comunistas, segundo o livro de Flávio Deckes¹. [Não é a toa a postura elitista e preconceituosa]. Se você não viu, assista o vídeo, e as desculpas. Reparem na cara de "me obrigaram a pedir desculpas" do segundo vídeo. E ele bem que poderia ter terminado a ceninha com sua maldita frase: "isso é uma vergonha".

1. Não encontrei nenhuma boa resenha, então coloco a referência: DEKES, Flavio. Radiografia do Terrorismo no Brasil (1966/1980). São Paulo: Ícone, 1985.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Artes em Santa Catarina.


Nesse fim de semana, recebi a indicação de um artigo do ‘nosso’ ‘governador do estado’ na página virtual do A Notícia, indicado pelo meu amigo Maikon K.

No texto, LHS faz uma alusão à cidade de Florença de alguns séculos atrás e as relações de poder e excessos inúteis que caracterizavam as relações feudais e pré-capitalistas, nas quais os poderosos da época competiam na construção de palácios e catedrais. Cita também as academias e a “liberdade criativa”.

E no fim do texto completa: Em parceria com a Acafe e com a Univille, estamos trazendo para Santa Catarina uma filial da Escola d’Arte de Firenze, que, herdeira dessa tradição criativa de 500 anos, é a maior referência na Europa e em todo o mundo!

O objetivo é dar asas à criatividade, capacitando artistas com base nos mesmos métodos da pintura e da escultura que se formaram Botticelli e Michelângelo.

Longe de mim querer criticar o campo de construção das artes [principalmente porque esta não é minha área de atuação], que eu inclusive consumo e admiro, mas será mesmo que esta é uma necessidade de Santa Catarina a ponto de ser viabilizada por um pretenso governo? Quais parcelas da população irão se beneficiar com uma ação nesse sentido? Será que o LHS já entrou em uma escola estadual?

sábado, 16 de janeiro de 2010

Uma dica: a trajetória de Gorender


No campo da historiografia, como, talvez, em todas as profissões ou campos de pensamento, existem as diversidades de posicionamento político por parte de quem pratica. Se é assim, é possível encontrar historiadores/as ou professores/as de história com pensamento e prática política voltada a 'defesa' de quem oprime e explora, ou voltada as posições de quem é oprimido e explorado, ou mesmo pretensamente sem uma posição definida, uma espécie de "neutralidade", que pra mim é um tanto quanto hipócrita.

No caso do historiador tema dos escritos de hoje, Jacob Gorender, a posição política é bem definida, e sua trajetória de luta muito interessante. Apesar de não compartilhar das mesmas idéias de luta social do autor, que vê a luta através da organização partidária, enquanto eu procuro pensá-la numa perspectiva libertária, já tive a oportunidade de ler um livro dele que se chama Marxismo sem Utopia, para um trabalho para a disciplina de Teoria da História a uns 2 anos atrás, e sem dúvida é uma obra de idéias e de escrita elogiáveis.

E sobre a sua trajetória, estes dias me deparei com um filme veiculado na TV Câmara que problematiza o tema e que está disponível no site da Emissora para download. Quem se interessa pela história política recente do Brasil provavelmente se interessará por esta produção.


P.S. Fuçando no site da emissora é possível encontrar outras produções interessantes.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Programa Nacional de Direitos Humanos e a Direita


Um assunto anda na agenda do dia das discussões políticas em nível nacional. E é uma discussão que tem muito a ver com as reflexões e leituras que eu tenho feito nos últimos anos. Trata-se do Programa Nacional de Direitos Humanos.

O que ocorre é que a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República aprovou no fim do ano passado uma carta de propostas [bastante interessante, por sinal] que aborda pautas importantíssimas, tais como a agricultura familiar, o combate às desigualdades estruturais, assim como a 'garantia' dos direitos mínimos, antiga pauta da discussão de direitos humanos.

Há, porém, um ponto em especial, que trata do Direito à Memória e à Verdade, que objetiva: "Promover a apuração e o esclarecimento público das violações de Direitos Humanos praticadas
no contexto da repressão política ocorrida no Brasil", dentre outros objetivos.

Aí reside a questão. As violações dos Direitos Humanos, leia-se tortura, assassinato, terrorismo, censura, mais do que comprovadas por testemunhas e pela pesquisa histórica [apesar desta nefasta história ter a mania de tentar ser esquecida o tempo todo] foram realizadas pelas Forças Armadas enquanto estavam no poder durante o regime militar, como ocorreu em grande parte da América Latina, num movimento político autoritário e reacionário [existe autoritarismo que não seja reacionário?], com vistas a não dar brecha a qualquer tentativa de construção política popular.

Uma comissão seria criada para investigar estes fatos, e um trecho do documento aponta: “revogação das leis remanescentes do período de 1964-1985 que sejam contrárias às garantias dos Direitos Humanos”. Anistia a torturador pode ser considerado contra a garantia dos direitos humanos? É de se discutir. Alguns grandões das forças armadas, inclusive o Ministro ameaçaram demissão. Uma reação deste tamanho significa que a discussão é séria. Tomara que seja mesmo.