quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

E o Haiti?


Li uma reportagem no CMI, na qual o presidente do Senegal propõe o retorno dos/as haitianos/as à África, através da criação de um novo estado. Não sou conhecedor da atual conjuntura política do Continente Africano, nem tampouco imagino as peculiaridades dos conflitos étnicos que uma idéia dessas poderia [ou não] resultar, caso fosse colocada em prática.

Ainda assim, fiquei pensando: a historiografia da América Latina interpreta, e as vezes denuncia a exploração e dominação sofrida pelo continente nas mãos da metrópole européia em tempos coloniais [notadamente nativos/as e escravos/as africanos - base da população haitiana]. E mais recentemente o imperialismo, intervenção opressão política e exploração econômica dos norte-americanos sofrida pelo continente [notadamente todos os habitantes trabalhadores]. E uma situação dessas os africanos pensam numa proposta nesse sentido. É no mínimo um tapa na cara das nações exploradoras e dominadoras.

Abaixo, alguns trechos selecionados do livro As Veias Abertas da América Latina do genial Eduardo Galeano, escrito nos anos 70, a respeito do Haiti. As questões atuais talvez [veja bem: "talvez"] você encontre nos jornais do dia.


“Na segunda metade do século[XVIII], o melhor açúcar do mundo brotava do solo esponjoso das planuras da costa do Haiti, um colônia francesa que nessa época se chamava Saint Domingue. Ao norte e a oeste, Haiti converteu-se em sorvedouro de escravos: o açúcar exigia cada vez mais braços. Em 1786, chegaram à colônia 27 mil escravos, e no ano seguinte 40 mil. No outono de 1791, explodiu a revolução. Num só mês, setembro, duzentas plantações de cana foram tomadas pelas chamas; os incêndios e os combates sucederam-se sem trégua à medida que os escravos insurretos iam empurrando os exércitos franceses até o oceano.(...) Logo em 1825, a França reconheceu a independência de sua antiga colônia, mas em troca de uma gigantesca indenização em dinheiro. Em 1802, pouco depois de Toussaint Louverture caudilho dos exércitos escravos ser preso, o general Leclerc escreveu a seu cunhado Napoleão: “Eis minha opinião sobre o país: há que suprimir todos os negros das montanhas, homens e mulheres, conservando-se somente as crianças menores de doze anos, exterminar a metade dos negros nas planícies e não deixar na colônia nem um só negro que use jarreteiras”. O trópico vingou-se de Leclerc, pois morreu “agarrado pelo vômito negro” apesar das esconjurações mágicas de Paulina Bonapart sem poder cumprir seu plano, porém a indenização em dinheiro tornou-se uma pedra esmagadora sobre as costas dos haitianos independentes que haviam sobrevivido aos banhos de sangue das sucessivas expedições militares enviadas contra eles. O país nasceu em ruínas e não se recuperou jamais: hoje é o mais pobre da América Latina.”


“Em relação ao Haiti, tem a taxa de mortalidade mais alta da América Latina; mais da metade de sua população infantil padece de anemia. O salário legal pertence, no Haiti, aos domínios da ficção; nas plantações de café, o salário real oscila entre 7 e 15 centavos de dólar por dia.”


“Os Estados Unidos ocuparam o Haiti durante vinte anos, e ali, nesse país negro que tinha sido o cenário da primeira revolta vitoriosa dos escravos, introduziram a segregação racial e o regime de trabalhos forçados, mataram mil e quinhentos operários em uma de suas operações de repressão (segundo a investigação do Senado norte-americano em 1922) e, quando o governo local se negou a converter o Banco Nacional numa sucursal do National City Bank de Nova Iorque, suspenderam o pagamento do presidente e de seus ministros, para que mudassem de opinião.”


“O Haiti é o país mais pobre do hemisfério ocidental. Lá existem mais lava-pés que sapateiros: meninos que em troca de uma moeda lavam os pés de clientes descalços, que não têm sapatos para engraxar. Os haitianos vivem, em média, pouco mais de trinta anos. De cada dez haitianos, nove não sabem ler nem escrever. Para o consumo interno são cultivadas as ásperas encostas das montanhas.”


“Para a exportação, cultivam-se os vales férteis: as melhores terras são dedicadas ao café, ao açúcar, ao cacau e a outros produtos requeridos pelo mercado norte-americano. Ninguém joga beisebol no Haiti, mas o Haiti é o principal produtor mundial de bolas de beisebol. No país não faltam oficinas onde crianças trabalham a um dólar por dia armando cassetes e peças eletrônicas. São, é claro, produtos de exportação. Também é claro que os lucros são exportados, uma vez (é claro!) deduzida a parte que corresponde aos administradores do terror. O menor sinal de protesto, no Haiti, resulta em prisão ou morte. Por incrível que pareça, os salários dos trabalhadores haitianos perderam, entre 1971 e 1975, um quarto de seu valor real9. È significativo que nesse período tenha entrado no país um novo fluxo de capital norte-americano.”


0 comentários: